sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Um Céu e Nada Mais

Um céu e nada mais — que só um temos,
como neste sistema: só um sol.
Mas luzes a fingir, dependuradas
em abóbada azul — como de tecto.
E o seu número tal, que deslumbrados
eram os teus olhos, se tas mostrasse,
amor, tão de ribalta azul, como de
circo, e dança então comigo no
trapézio, poema em alto risco,
e um levíssimo toque de mistério.
Pega nas lantejoulas a fingir
de sóis mal descobertos e lança
agora a âncora maior sobre o meu
coração. Que não te assuste o som
desse trovão que ainda agora ouviste,
era de deus a sua voz, ou mito,
era de um anjo por demais caído.
Mas, de verdade: natural fenómeno
a invadir-te as veias e o cérebro,
tão frágil como álcool, tão de
potente e liso como álcool
implodindo do céu e das estrelas,
imensas a fingir e penduradas
sobre abóbada azul. Se te mostrasse,
amor, a cor do pesadelo que por
aqui passou agora mesmo, um céu
e nada mais — que nada temos,
que não seja esta angústia de
mortais (e a maldição da rima,
já agora, a invadir poema em alto
risco), e a dança no trapézio
proibido, sem rede, deus, ou lei,
nem música de dança, nem sequer
inocência de criança, amor,
nem inocência. Um céu e nada mais.

Ana Luísa Amaral, in “Às Vezes o Paraíso”

segunda-feira, 21 de março de 2011

Et maintenant



Et maintenant que vais-je faire
De tout ce temps que sera ma vie
De tous ces gens qui m'indiffèrent
Maintenant que tu es partie

Toutes ces nuits, pourquoi pour qui
Et ce matin qui revient pour rien
Ce cœur qui bat, pour qui, pourquoi
Qui bat trop fort, trop fort

Et maintenant que vais-je faire
Vers quel néant glissera ma vie
Tu m'as laissé la terre entière
Mais la terre sans toi c'est petit

Vous, mes amis, soyez gentils
Vous savez bien que l'on n'y peut rien
Même Paris crève d'ennui
Toutes ses rues me tuent

Et maintenant que vais-je faire
Je vais en rire pour ne plus pleurer
Je vais brûler des nuits entières
Au matin je te haïrai

Et puis un soir dans mon miroir
Je verrai bien la fin du chemin
Pas une fleur et pas de pleurs
Au moment de l'adieu

Je n'ai vraiment plus rien à faire
Je n'ai vraiment plus rien ...

terça-feira, 1 de março de 2011

POEMA DE AMOR

Se te pedirem, amor, se te pedirem
que contes a velha história
da nau que partiu
e se perdeu,
não contes,amor, não contes
que o mar és tu
e a nau sou eu.

E se te pedirem, amor, e se te pedirem
que contes a velha fábula
do lobo que matou o cordeiro
e lhe roeu as entranhas,
não contes, amor, não contes
que o lobo é a minha carne
e o cordeiro a minha estrela
que sempre tu conheceste
e te guiou - mal ou bem.

Depois, sabes, estou enjoado
desta farsa.
Histórias, fábulas, amores
tudo me corre os ouvidos
a fugir.

Sou o guerreiro sem forças
para erguer a sua espada,
sou o piloto do barco
que a tempestade afundou.

Não contes, amor, não contes
que eu tenho a alma sem luz.

...Quero-me só, a sofrer e arrastar
a minha cruz.

Fernando Namora in Relevos

MAR DE SARGAÇO

Tudo que faço ou medito
Fica sempre na metade.
Querendo, quero o infinito.
Fazendo, nada é verdade.

Que nojo de mim fica
Ao olhar para o que faço!
Minha alma é lúcida e rica,
E eu sou um mar de sargaço -

Um mar onde bóiam lentos
Fragmentos de um mar de além...
Vontades ou pensamentos?
Não o sei e sei-o bem.

Fernando Pessoa in Obra Poética

PERGUNTA

Quem vem de longe e sabe o nome do meu lugar
e levou o caminho das conchas em mar
e dos olhos em rio
- quem vem de longe chorar por mim?

Quem sabe que eu findo de dureza
e condensa ternura em suas mãos
para derramar em afagos
por mim?

Quem ouviu a angústia do meu brado,
sirene de um navio a vadiar no largo,
e me traz seus beijos e sua cor,
perdendo-se na bruma das madrugadas
por mim?

Quem soube das asperezas da viagem
e pediu o pão negado
e o suor ao corpo torturado,
por mim? por mim?

Quem gerou o mundo e lhe deu seu nome
e seu tamanho - imenso, imenso,
e em mim cabe?

(Fernando Namora in Mar de Sargaços)

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Livro dos Amantes

"Pusemos tanto azul nessa distância

ancorada em incerta claridade

e ficamos nas paredes do vento

a escorrer para tudo o que ele invade.


Pusemos tantas flores nas horas breves

que secam folhas nas árvores dos dedos.

E ficámos cingidos nas estátuas

a morder-nos na carne dum segredo".


Natália Correia