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"Saudade é solidão acompanhada,
é quando o amor ainda não foi embora,
mas o amado já…
Saudade é amar um passado que ainda não passou,
é recusar um presente que nos machuca,
é não ver o futuro que nos convida…
Saudade é sentir que existe o que não existe mais…
Saudade é o inferno dos que perderam,
é a dor dos que ficaram para trás,
é o gosto de morte na boca dos que continuam…
Só uma pessoa no mundo deseja sentir saudade:
aquela que nunca amou.
E esse é o maior dos sofrimentos:
não ter por quem sentir saudades,
passar pela vida e não viver.
O maior dos sofrimentos é nunca ter sofrido."
Pablo Neruda
"Talvez amanhã a musa baloice nos diários
de bordo
e as águas embarquem na paisagem
das sílabas à vista.
Hoje foi um dia perverso: um abismo
de contratos falseados
como se a lei caísse na hora cega
de todos os compêndios.
Apetece morrer. Apetece rasgar
este evangelho segundo o tempo oco
e explodir no epicentro dos teus lábios
quentes... quentes... quentes...
incendiário timoneiro do sangue louco."Alice Fergo, in Versos de Água,
Universitária Poesia
"De tudo ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.
Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento
E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama
Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure."Vinicius de Moraes, "Antologia Poética",
Editora do Autor, Rio de Janeiro, 1960.
"No coração, talvez, ou diga antes:
Uma ferida rasgada de navalha,
Por onde vai a vida, tão mal gasta.
Na total consciência nos retalha.
O desejar, o querer, o não bastar,
Enganada procura da razão
Que o acaso de sermos justifique,
Eis o que dói, talvez no coração."José Saramago, in Os Poemas Possíveis
Onde moras? Onde moras?Se adivinhasse onde moras,- Em frente da tua porta, Olhando a tua janela, Veria passar as horas,As minhas últimas horas. Sem ti, a vida que importa?A Vida, nem penso nela...Veria passar as horasAs minhas últimas horas,Em frente da tua porta,Olhando a tua janela...Onde moras? Onde moras?É num castelo roqueiro?Se é num castelo roqueiro,Erguido na penedia,Sobre o rochedo mais altoÀ beira-mar sobranceiro,Com a minha fantasiaIrei tomá-lo de assalto,Esse castelo roqueiroErguido na penedia,Sobre o rochedo mais alto,À beira-mar sobranceiro...Onde moras? Onde moras?É nos abismos do mar?Se é nos abismos do mar,Sobre a múrmura corrente,No teu leito de amarantoIrei também descansar,Ficando perpetuamenteNaquele perpétuo encantoDo Rei Harald Horfagar...No teu leito de amarantoIrei também descansar,Ficando perpetuamenteNaquele perpétuo encantoDo Rei Harald Horfagar.Onde moras? Onde moras?É numa estrela, ilha de ouro?Se é numa estrela, ilha de ouro,- A vida-Láctea é uma ponte,Subirei por ela ao céu...Para alcançar o meu tesouroNão há remoto horizonte,Nem Sagitário ou Perseu...Onde moras? Onde moras?Se adivinhasse onde moras,- Em frente da tua porta,Olhando a tua janela,Veria passar as horas,Sem ti, a vida que importa?A Vida, nem penso nela...Veria passar as horas,As minhas últimas horas, Em frente da tua porta,Olhando a tua janela,Numa extasiada emoção.Dize-me, pois, onde moras,Se porventura não morasDentro do meu coração...António Feijó - "O poeta que morreu de amor..."
Ó olhos, de onde Amor suas flechascontra mim, cuja luz me espanta e cega,ó olhos, onde Amor se esconde, e pregaas almas, e pregando-as, se retira!Ó olhos, onde Amor amor inspirae amor promete a todos e amor nega,ó olhos onde Amor também se empregapor quem tão bem se chora, e se suspira!Ó olhos, cujo fogo a neve friaacende, e queima; ó olhos poderososde dar à noite, luz, e vida à morte;Olhos por quem mais claro nasce o dia,por quem são os meus olhos tão ditosos,que de chorar por vós me coube a sorte!António Ferreira séc. XVI
"Não posso adiar o amor para outro século
não posso
ainda que o grito sufoque na garganta
ainda que o ódio estale e crepite e arda
sob as montanhas cinzentas
e montanhas cinzentas
Não posso adiar este braço
que é uma arma de dois gumes amor e ódio
Não posso adiar
ainda que a noite pese séculos sobre as costas
e a aurora indecisa demore
não posso adiar para outro século a minha vida
nem o meu amor
nem o meu grito de libertação
Não posso adiar o coração."António Ramos Rosa
"O amor que sinto
é um labirinto.
Nele me perdi
com o coração
cheio de ter fome
do mundo e de ti
(sabes o teu nome),
sombra necessária
de um Sol que não vejo,
onde cabe o pária,
a Revolução
e a Reforma Agrária
sonho do Alentejo.
Só assim me pinto
neste Amor que sinto.
Amor que me fere,
chame-se mulher,
onda de veludo,
pátria mal-amada,
chame-se "amar nada"
chame-se "amar tudo".
E porque não minto
sou um labirinto."José Gomes Ferreira
"Chove...
Mas isso que importa!
se estou aqui abrigado nesta porta
a ouvir a chuva que cai do céu
uma melodia de silêncio
que ninguém mais ouve
senão eu?
Chove...
Mas é do destino
de quem ama
ouvir um violino
até na lama."José Gomes Ferreira
"Cantar de beira de rio:
Agua que bate na pedra,
pedra que não dá resposta.
Noite que vem por acaso,
trazendo nos lábios negros
o sonho de que se gosta.
Pensando no caminho
pensando o rosto da flor
que pode vir, mas não vem
Passam luas - muito longe,
estrelas - muito impossíveis,
nuvens sem nada, também.
Cantar de beira de rio:
o mundo coube nos olhos,
todo cheio, mas vazio.
A água subiu pelo campo,
mas o campo era tão triste...
Ai!
Cantar de beira de rio."
Cecília Meireles