quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

URGENTEMENTE

É urgente o Amor,
É urgente um barco no mar.

É urgente destruir certas palavras
Ódio, solidão,crueldade,
alguns lamentos,
muitas espadas.

É urgente inventar alegria,
multiplicar os beijos, e as searas,
é urgente descobrir rosas e rios
e manhãs claras.

Cai o silêncio nos ombros,
e a luz impura até doer.
É urgente o amor,
É urgente permanecer.

Eugénio de Andrade

O espírito

"Nada a fazer amor, eu sou do bando
Impermanente das aves friorentas;
E nos galhos dos anos desbotando
Já as folhas me ofuscam macilentas;

E vou com as andorinhas. Até quando?
A vida breve não perguntes: cruentas
Rugas me humilham. Não mais em estilo brando
Ave estroina serei em mãos sedentas.

Pensa-me eterna que o eterno gera
Quem na amada o conjura. Além, mais alto,
Em ileso beiral, aí espera:

Andorinha indemne ao sobressalto
Do tempo, núncia de perene primavera.
Confia. Eu sou romântica. Não falto."


Natália Correia (1923-1993)

segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

A felicidade exige valentia


"Posso ter defeitos, viver ansioso e ficar irritado algumas vezes mas, não esqueço de que minha vida é a maior empresa do mundo, e posso evitar que ela vá à falência.
Ser feliz é reconhecer que vale a pena viver apesar de todos os desafios, incompreensões e períodos de crise. Ser feliz é deixar de ser vítima dos problemas e se tornar um autor da própria história.
É atravessar desertos fora de si, mas ser capaz de encontrar um oásis no recôndito da sua alma.
É agradecer a Deus a cada manhã pelo milagre da vida. Ser feliz é não ter medo dos próprios sentimentos. É saber falar de si mesmo.
É ter coragem para ouvir um 'não'. É ter segurança para receber uma crítica, mesmo que injusta.
Pedras no caminho?
Guardo todas, um dia vou construir um castelo..."


Fernando Pessoa - 70º aniversário da sua morte

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

As Facas

"Quatro letras nos matam quatro facas
que no corpo me gravam o teu nome.
Quatro facas amor com que me matas
sem que eu mate esta sede e esta fome.

Este amor é de guerra. (De arma branca).
Amando ataco amando contra-atacas
este amor é de sangue que não estanca.
Quatro letras nos matam quatro facas.

Armado estou de amor. E desarmado.
Morro assaltando morro se me assaltas.
E em cada assalto sou assassinado.

Quatro letras amor com que me matas.
E as facas ferem mais quando me faltas.
Quatro letras nos matam quatro facas."


Manuel Alegre (1936)

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

O Silêncio

"Quando a ternura
parece já do seu ofício fatigada,

e o sono, a mais incerta barca,
inda demora,

quando azuis irrompem
os teus olhos

e procuram
nos meus navegação segura,

é que eu te falo das palavras
desamparadas e desertas,

pelo silêncio fascinadas"




EUGÉNIO DE ANDRADE

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

ARROJOS

Se a minha amada um longo olhar me desse
Dos seus olhos que ferem como espadas,
Eu domaria o mar que se enfurece
E escalaria as nuvens rendilhadas.

Se ela deixasse, extático e suspenso
Tomar-lhe as mãos mignonnes e aquecê-las,
Eu com um sopro enorme, um sopro imenso
Apagaria o nome das estrelas.

Se aquela que amo mais que a luz do dia,
Me aniquilasse os males taciturnos,
O brilho dos meus olhos venceria
O clarão dos relâmpagos nocturnos.

S'ela quisesse, no azul do espaço,
Casando as suas penas com as minhas,
Eu desfaria o sol como desfaço
As bolas de sabão das criancinhas.

Se a Laura dos meus loucos desvarios
Fosse menos soberba e menos fria,
Eu pararia o curso aos grandes rios
E a terra sob os pés abalaria.

Se aquela por quem já não tenho risos
Me concedesse apenas dois abraços,
Eu subiria aos róseos paraísos
E a lua afogaria nos meus braços.

S'ela ouvisse meus cantos moribundos
E os lamentos das cítaras estranhas,
Eu ergueria os vales mais profundos
E abalaria as sólidas montanhas.

E se aquela visão da fantasia
Me estreitasse ao peito alvo como arminho,
Eu nunca, nunca mais me sentaria`
Às mesas espelhentas do Martinho.

Cesário Verde in O Livreo de Cesário Verde
Biblioteca Ulisseia de Autores Portugueses

domingo, 30 de novembro de 2008

A Grande Dor Das Cousas Que Passaram

"A grande dor das cousas que passaram
transmutou-se em finíssimo prazer
quando, entre fotos mil que se esgarçavam,
tive a fortuna e graça de te ver.
Os beijos e amavios que se amavam,
descuidados de teu e meu querer,
outra vez reflorindo, esvoaçaram
em orvalhada luz de amanhecer.
Ó bendito passado que era atroz,
e gozoso hoje terno se apresenta
e faz vibrar de novo minha voz
para exaltar o redivivo amor
que de memória-imagem se alimenta
e em doçura converte o próprio horror!"


Carlos Drummond de Andrade
Obras completas

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Eu queria trazer-te uns versos muito lindos

"Eu queria trazer-te uns versos muito lindos
colhidos no mais íntimo de mim...
Suas palavras
seriam as mais simples do mundo,
porém não sei que luz as iluminaria
que terias de fechar teus olhos para as ouvir...
Sim! Uma luz que viria de dentro delas,
como essa que acende inesperadas cores
nas lanternas chinesas de papel!
Trago-te palavras, apenas... e que estão escritas
do lado de fora do papel... Não sei, eu nunca soube o que dizer-te
e este poema vai morrendo, ardente e puro, ao vento
da Poesia...
como
uma pobre lanterna que incendiou!"


Mário Quintana

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

VÉSPERA

Se eu te pintasse, posta na tardinha,
pintava-te num fundo cor de olaia,
na mão suspensa, nessa mão que é minha,
o lenço fino acompanhando a saia!

Vejo-te assim, ó asa de andorinha,
em ar de infanta que perdeu a aia,
envolta numa luz que te acarinha,
na luz que desfalece e que desmaia!

Com teu encanto os dias me adamasques,
linda menina, ingénua de Velásquez
a flutuar num mar de seda e renda.

Deixa cair dos lábios de medronho
a perfumada voz do nosso sonho,
mas tão baixinho que só eu entenda.

António Sardinha

SETE ANOS DE PASTOR...

Sete anos de pastor Jacob servia
Labão, pai de Raquel, serrana bela;
mas não servia ao pai, servia a ela,
que a ela só, por prémio pretendia.

Os dias na esperança de um só dia
passava, contentando-se com vê-la;
porém o pai, usando de cautela,
Em lugar de Raquel lhe dava Lia.

Vendo o triste pastor que com enganos
lhe fora assi negada a sua pastora,
como se a não tivera merecida,

começa de servir outros sete anos,
dizendo: - " Mais servira, se não fora
para longo amor, tão curta a vida!"

Camões in Obra Completa

VELHO MOTIVO

Soneto de Jacob, pastor antigo
-Soneto de Raquel, serrana bela...
Oh! quantas vezes o relembro e digo,
Pensando em ti, como se foras Ela!

O que eu servira para viver contigo,
-tão doce, tão airosa e tão singela!
Assim distante do teu rosto amigo,
em torturar-me a ausência se desvela!

E vou sofrendo a minha pena amarga,
- pena que não me deixa nem me larga,
bem mais cruel que a de jacob pastor!

Raquel não era dele, sempre a via,
enquanto eu não vejo, noite e dia,
aquela que me tem por seu senhor!

António Sardinha

terça-feira, 25 de novembro de 2008

JOÃO RODRIGUES, AMATO LUSITANO (1511-1568)

João Rodrigues de Castelo Branco, mais tarde conhecido por AMATO LUSITANO
Médico e escritor português 1511 -1568

Em Castelo Branco
, no ano de 1511, nasceu, de uma família judaica, João Rodrigues .
Frequentou a Universidade de Salamanca onde concluiu o curso de Medicina em 1533/34.
Viveu e exerceu medicina em Lisboa , em Antuérpia, Ferrara (onde leccionou na Universidade local), Ascona, Pesaro e finalmente em Tessalónica, onde morre de peste em 1568.




Portugal, Castelo Branco, 1511:


-Parabéns, mulher. Que rico filho me deste. Vai chamar-se João. João Rodrigues. Não vai precisar de mais nomes. As pessoas são o que são e o que fazem de si. Nunca serão o que os outros fazem delas.

- Que cresça bem e lhe possamos dar todo o amor e ajuda de que vier a precisar. Parabéns, mulher. Temos um filho. Um homem

- Cresce, filho. Cresce.

- Já viste, mulher, como o nosso João está grande? Já reparaste como é atento à vida, inteligente, estudioso? Já viste como ele mantém conversas interessadas com os mais velhos?

- Este nosso João vai longe, mulher. Vai longe. E não lhe faltará a nossa ajuda.

- Mulher, vai custar-nos muito, mas temos de mandar o nosso João estudar em Espanha. Em Salamanca. A Universidade de Lisboa está de rastos, segundo dizem.

- Para o nosso filho tem de ser a melhor, porque ele merece.

- Quer ser médico e será.

- Vai para Salamanca, está resolvido. E sempre te digo, mulher, que a distância é a mesma que a Lisboa.

- Como te "llamas", amigo?

- João. João Rodrigues.

- De onde vens e onde nasceste?

- De Portugal. Em Castelo Branco. Pues ahora te llamarás João Rodrigues de Castelo Branco"

- Parabéns, João. És o orgulho dos teus pais. Estudaste. Cumpriste. És médico e licenciado pela Universidade de Salamanca.

- Agora a vida é tua. Vai em frente. O mundo espera-te. Não faças como eu agarrado que nem uma lapa a este berço de pedra.

- Sempre que sentires que deves ir em frente, vai. O caminho faz-se caminhando, digo-to hoje, quatro séculos antes de alguém o voltar a dizer para a História.

- Sinto, meu pai, que a minha vida se vai fazer de saltos para a frente e para o alto. Umas vezes empurrado pelo destino, outras pelo desejo.

- Sinto, meu pai, que os tempos estão maus e vão piorar ainda. A Inquisição não nos vai dar descanso e vai seguir-nos até nos poder apanhar nos seus longos braços e tentáculos.

- Temos que estar atentos, sempre despertos e capazes de dar resposta a esse perigo, mesmo que tenhamos que fazer um pouco mais de caminho. Assim me obrigam, e assim farei.

- E vós, meus pais?
- A nossa idade é outra, João. Por agora a Inquisição ainda está em estado larvar, lá para Lisboa.

- Ainda vai demorar algum tempo até ficarmos em perigo. Já não a receio, meu filho! Mas tu, vai. Faz o teu caminho.

- Adeus meus pais. Vou direito a Antuérpia, onde não me faltarão clientes e amigos portugueses.

- Muitos judeus ricos já deixaram Lisboa há algum tempo e por se instalaram. Farei como eles.

-Adeus, meu pai.

-Adeus, minha mãe.

(Texto de Carlos Vieira Reis)

sábado, 22 de novembro de 2008

FANATISMO

Minh'alma, de sonhar-te, anda perdida
Meus olhos andam cegos de te ver!
Não és sequer razão do meu viver,
Pois que tu és já toda a minha vida!

Não vejo nada assim enlouquecida...
Passo no mundo, meu Amor, a ler
No misterioso livro do teu ser
A mesma história tantas vezes lida!

«Tudo no mundo é frágil, tudo passa...»
Quando me dizem isto, toda a graça
Duma boca divina fala em mim!

E, olhos postos em ti, digo de rastros:
«Ah! Podem voar mundos, morrer astros,
Que tu és como Deus: Princípio e Fim!...»

Florbela Espanca in Sonetos
Livraria Tavares Martins, 1974

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

HÁ PALAVRAS QUE NOS BEIJAM

"Há palavras que nos beijam
Como se tivessem boca.
Palavras de amor, de esperança,
De imenso amor, de esperança louca.
Palavras nuas que beijas
Quando a noite perde o rosto;
Palavras que se recusam
Aos muros do teu desgosto.
De repente coloridas
Entre palavras sem cor,
Esperadas inesperadas
Como a poesia ou o amor.
(O nome de quem se ama
Letra a letra revelado
No mármore distraído
No papel abandonado)
Palavras que nos transportam
Aonde a noite é mais forte,
Ao silêncio dos amantes
Abraçados contra a morte."

Alexandre O'Neill, No Reino da Dinamarca

EU E TU

Dois! Eu e Tu, num ser indissolúvel. Como
Brasa e carvão, centelha e lume, oceano e areia,
Aspiram a formar um todo, - em cada assomo
A nossa aspiração mais violenta se ateia...

Como a onda e o vento, a lua e a noite, o orvalho e a selva,
- O vento erguendo a vaga, o luar doirando a noite,
Ou o orvalho inundando as verduras da relva -
Cheio de ti, meu ser d'eflúvios impregnou-te!

Como o lilás e a terra onde nasce e floresce,
O bosque e o vendaval desgrenhando o arvoredo,
O vinho e a sede, o vinho onde tudo se esquece,
- Nós dois, d'amor enchendo a noite do degredo.

Como parte de um todo, em amplexos supremos,
Fundindo os corações no ardor que nos inflama,
Para sempre um ao outro, Eu e Tu pertencemos,
Como se eu fosse o lume e tu fosses a chama.

António Feijó

sábado, 15 de novembro de 2008

SOL ÍNTIMO

Os olhos sempre que os pus
Fitos no astro do dia
(Parece que se introduz
Tanta luz na fantasia...)
Sabem o que acontecia?
Fechava os olhos e via
Do mesmo modo essa luz.

Assim foi certa visão
Que tive por meus pecados!
Nunca uma breve impressão
Em meus olhos descuidados
Deu tamanhos resultados...
Que é vê-la de olhos fechados,
Ainda no coração!

(João de Deus) in campo de flores - Volume I
(livraria bertrand)

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Da simplicidade

"Escondo-me atrás de coisas simples,
para que me encontres.
Se não me encontrares, encontrarás as coisas,
tocarás o que minha mão já tocou,
os traços juntar-se-ão de nossas mãos,
uma na outra.
A lua de agosto brilha na cozinha
como pote estanhado (pela razão já dita),
ilumina a casa vazia e o silêncio ajoelhado,
este silêncio sempre ajoelhado.
Cada palavra é a partida
para um encontro - muita vez anulado –
e só é verdadeira quando, para esse encontro,
ela insiste, a palavra."

Yannis Ritsos, trad. Eugénio de Andrade

domingo, 9 de novembro de 2008

IV


"Nós somos loucos, não somos?
Desta louca poesia,
Desta riqueza dos pobres
Que se chama fantasia!

Ergamos pois nossa tenda
E nosso lar de pobreza
No mais ermo desses montes,
No fundo da natureza.

Se o frio apertar connosco,
Pois não temos mais calores,
Aqueceremos os membros
Na fogueira dos amores!

Se for grande a nossa sede,
Tão longe da fonte fria,
Contentar-nos-emos, filha,
Com as águas da poesia!

Assim à nossa pobreza
Daremos a Imensidade...
Que com isto se contente
Nossa pouca seriedade.

E, pois somos loucos, vamos
Atrás dos loucos mistérios...
Deixemos ricas cidades
Ao sério dos homens sérios!"



Antero de Quental Primaveras Românticas
colares editora

O horizonte das palavras

"Sem direcção, sem caminho
escrevo esta página que não tem alma dentro.

Se conseguir chegar à substância de um muro
acenderei a lâmpada de pedra na montanha.

E sem apoio penetro nos interstícios fugidios
ou enuncio as simples reiterações da terra,
as palavras que se tornam calhaus na boca ou nos meus passos.

Tentarei construir a consistência num adágio
de sílabas silvestres, de ribeiros vibrantes.

E na substância entra a mão, o balbucio branco
de uma língua espessa, a madeira, as abelhas,
um organismo verde aberto sobre o mar,
as teclas do verão, as indústrias da água.

Eu sou agora o que a linguagem mostra
nas suas verdes estratégias, nas suas pontes
de música visual: o equilíbrio preenche os buracos
com arcos, colinas e com árvores.

Um alvor nasceu nas palavras e nos montes.

O impronunciável é o horizonte do que é dito."


António Ramos Rosa ACORDES, QUETZAL EDITORES, 1990

sábado, 8 de novembro de 2008

MADRIGAL

A minha história é simples.
A tua, meu Amor,
é bem mais simples ainda:

«Era uma vez uma flor.
Nasceu à beira de um Poeta...»

Vês como é simples e linda?

(O resto conto depois;
mas tão a sós, tão de manso,
que só escutemos os dois).

(Sebastião da Gama) - in Cabo da Boa Esperança
Edições Ática

DÁDIVA

Coisa nenhuma
foi tão verdadeira
como a tua alma
quando tu ma deste.

Deste-ma inteira...

Tua mão, que a dava,
nem me perguntava
se eu a merecia.
Dava-a e sorria,
como quem recebe.

Por que graça rara
ficaste florida,
mesmo assim despida
dessa flor pura?

(Sebastião da Gama) - in Cabo da Boa Esperança
Edições Ática

As velas da memória

"Há nos silvos que as manhãs me trazem
chaminés que se desmoronam:
são a infância e a praia os sonhos de partida

Abrir esse portão junto ao vento que a vida
aquém ou além desta me abre?
Em que outro mundo ouvi o rouxinol
tão leve que o voo lhe aumentava as asas?
Onde adiava ele a morte contra os dias
essa primeira morte?
Vinham núpcias sem conto na inconcebível voz
Que plenitude aquela: cantar
como quem não tivesse nenhum pensamento.

Quem me deixou de novo aqui sentado à sombra
deste mês de junho? Como te chamas tu
que me enfunas as velas da memória ventilando: «aquela vez...»?

Quando aonde foi em que país?
Que vento faz quebrar nas costas destes dias
as ondas de uma antiga música que ouvida
obriga a recuar a noite prometida
em círculos quebrados para além das dunas
fazendo regressar rebanhos de alegrias
abrindo em plena tarde um espaço ao amor?
Que morte vem matar a lábil curva da dor?
Que dor me faz doer de não ter mais que morrer?

E ouve-se o silêncio descer pelas vertentes da tarde
chegar à boca da noite e responder"


Ruy Belo
Aquele Grande Rio Eufrates

Coitado do rouxinol!



"Passou a noite ao relento,
Do pôr ao nascer do Sol,
Sem descansar um momento,
Sempre a cantar, sem dormir,
Absorto no pensamento
De ver uma rosa abrir...
Coitado do rouxinol!
Passou a noite ao relento,
Do pôr ao nascer do Sol,
Sempre a cantar, sem dormir...

Mas o mísero, coitado!
Cantando tão requebrado,
Com tal cuidado velou,
Que adormeceu de cansado,
E os olhos tristes cerrou
No minuto, no momento
Em que, ao luar e ao relento,
A rosa desabrochou...

Coitado do rouxinol!

Com tal cuidado velou,
Do pôr ao nascer do Sol,
E tanto, tanto cantou,
A noite inteira ao relento,
Que, de fadiga e tormento,
Sem descansar, sem dormir,
Fecha os olhos, perde o alento,
No minuto, no momento
Em que a rosa vai abrir...

Coitado do rouxinol!"

António Feijó

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Que é Simpatia

"Simpatia - é o sentimento
Que nasce num só momento,
Sincero, no coração;
São dois olhares acesos
Bem juntos, unidos, presos
Numa mágica atração.

Simpatia - são dois galhos
Banhados de bons orvalhos
Nas mangueiras do jardim;
Bem longe às vezes nascidos,
Mas que se juntam crescidos
E que se abraçam por fim.

São duas almas bem gémeas
Que riem no mesmo riso,
Que choram nos mesmos ais;
São vozes de dois amantes,
Duas liras semelhantes,
Ou dois poemas iguais.

Simpatia - meu anjinho,
É o canto de passarinho,
É o doce aroma da flor;
São nuvens dum céu d’agosto
É o que m’inspira teu rosto…
- Simpatia - é quase amor!"


Casimiro de Abreu

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

REENCONTRO

Nenhum deles se moveu enquanto se olhavam nos olhos.
Ele não havia dito nada, os músculos pareciam hirtos, e durante um segundo ela achou que Noah não a tinha reconhecido. Subitamente sentiu-se culpada por aparecer assim daquela maneira, sem aviso, o que tornava tudo mais difícil. De algum modo achara que ia ser fácil, que saberia o que dizer. Mas não sabia. Tudo o que lhe vinha à cabeça parecia pouco apropriado, insuficiente.
Vieram-lhe à memória pensamentos do Verão que tinha partilhado, e, enquanto o fixava, reparou quão pouco tinha mudado desde que o vira da última vez. Estava com bom aspecto, pensou. Com a camisa displicentemente enfiada numas calças de ganga desbotadas, ela podia ver os mesmos ombros largos de que se recordava, adelgaçando-se para as ancas estreitas e um estômago liso. Também estava bronzeado, como se tivesse trabalhado ao sol todo o Verão, e embora o cabelo estivesse um pouco mais fino e mais claro do que ela se lembrava, parecia igual ao que fora da primeira vez que o vira.
Quando finalmente se sentiu pronta, inspirou fundo e sorriu.
-Olá, Noah. É bom ver-te de novo.
O comentário dela surpreendeu-o e lançou-lhe um olhar divertido. Então, depois de abanar ligeiramente a cabeça, começou lentamente a sorrir.
-A ti também...- gaguejou. - Noah levou a mão ao queixo, e ela reparou que ele não tinha feito a barba. - És mesmo tu, não és? Nem consigo acreditar...
Sentiu o choque na voz dele enquanto falava e, surpreendendo-a, veio-lhe tudo de uma vez - estar aqui, a vê-lo. Sentiu qualquer coisa a mexer-se dentro de si, algo de profundo e antigo, algo que a deixou tonta, só por um momento.
Recompôs-se e lutou para se controlar. Não esperava que isto acontecesse, não queria que acontecesse. Agora estava noiva. Não tinha vindo aqui para isto... No entanto...
No entanto...
No entanto, a emoção continuava apesar dos seus esforços e, por um breve momento, sentiu-se de novo com quinze anos. Sentiu-se como não se sentia há muito tempo, como se todos os seus sonhos se pudessem ainda tornar realidade.
Sentiu-se como se, finalmente, tivesse chegado a casa.
Sem mais palavras, aproximaram-se, como se fosse a coisa mais natural do mundo, e ele passou os braços à volta dela, puxando-a para si. Abraçaram-se com força, tornando aquilo real, ambos a deixar que os catorze anos de separação se dissolvessem no crepúsculo que escurecia.
Ficaram assim durante um longo tempo antes que ela finalmente o afastasse para o poder olhar.
Assim de perto, podia ver as mudanças em que primeiro não tinha reparado. Agora era um homem, e a cara perdera a doçura da juventude. As rugas suaves à volta dos olhos tinham-se aprofundado e havia uma cicatriz no queixo que antes não estava ali. Havia nele uma nova dureza - parecia menos inocente, mais cauteloso - e, no entanto, a maneira como a abraçava fê-la tomar consciência de quantas saudades dele tivera desde a última vez que o vira.
Os olhos ficaram-lhe rasos de lágrimas quando, finalmente, se separaram. Riu nervosamente enquanto enxugava as lágrimas.
- Estás bem? - perguntou ele, com um milhar de outras perguntas em mente.
- Desculpa, não queria chorar...
- Não faz mal - disse ele a sorrir -, ainda não consigo acreditar que sejas tu. Como me encontraste?
... ...

(Nicholas Sparks ) - Diário da Nossa Paixão
(Editorial Presença)


terça-feira, 28 de outubro de 2008

POEMA DOS BEIJOS

... Vivamos para amar,
E deixemos de parte as sombras da velhice.
O sol desaparece e pode voltar
E nós dormiremos sempre a noite inteira
Quando a luz breve declinar!
Oh! Beija-me mil vezes - mil vezes mais!
Beija-me outras mil vezes - mil vezes mais!
Beija-me ainda mil vezes - mil vezes mais!
Depois - excedido o número de milhar,
Misturemos os beijos de tal forma
Que os não sejamos capazes de contar,
Nem algum invejoso destes beijos
Os possa cobiçar!

(Catulo) - Catulo
Coimbra Editora Lda.

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

ESPERA + RUMOR

ESPERA

Horas, horas sem fim,
pesadas, fundas,
esperarei por ti
até que todas as coisas sejam mudas.

Até que uma pedra irrompa
e floresça.
Até que um pássaro me saia da garganta
e no silêncio desapareça.

RUMOR

Acorda-me
um rumor de ave.
Talvez seja a tarde
a querer voar.

A levantar do chão
qualquer coisa que vive,
e é como um perdão
que não tive.

Talvez nada.
Ou só um olhar
que na tarde fechada
é ave.

Mas não pode voar.

(Eugénio de Andrade) - O Sal da Língua precedido de Trinta Poemas
(Associação Portuguesa de Escritores)

ACALANTO DA ROSA

DORME a estrela no céu

Dorme a rosa em seu jardim

Dorme a lua no mar

Dorme o amor dentro de mim.

É preciso pisar leve

Ai, é preciso não falar.

Meu amor quando adormece

Que suave é o seu perfume

Dorme em paz rosa pura

O teu sono não tem fim...


Vinicius de Moraes - Poesia Completa & Prosa

LUAR DO MEU BEM

O MEU AMOR mora longe
Tão longe que nem sei mais
A lua no céu também mora longe
Mas brilha no mar.
Assim o meu bem que quando mais além
Mais me faz penar...

Saudade, meu desespero
E minha consolação
Diz ao bem que eu não quero
Sentir mais saudade não.

(Vinicius de Moraes) - Poesia Completa & Prosa

SONETO DE ESPERA

Aguardando-te, amor, revejo os dias

Da minha infância já distante, quando

Eu ficava, como hoje, te esperando

Mas sem saber ao certo se virias.


E é bom ficar assim, quieto, lembrando

Ao longo de milhares de poesias

Que te estás sempre e sempre renovando

Para me dar maiores alegrias.


Dentro em pouco entrarás, ardente e loura

Como uma jovem chama percursora

Do fogo a se atear entre nós dois


E da cama, onde em ti me dessedento

Tu te erguerás como o pressentimento

De uma mulher morena a vir depois.


(Vinicius de Moraes) - Poesia Completa & Prosa

DIALÉCTICA

É claro que a vida é boa
E a alegria, a única indizível emoção
É claro que te acho linda
Em ti bendigo o amor das coisas simples
É claro que te amo
E tenho tudo para ser feliz

Mas acontece que eu estou triste,,,

Vinicius de Moraes - Poesia Completa & Prosa

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

O Amor

"Amor é chama que mata,
Dizem todos com razão,
É mal do coração
E com ele se endoidece.
O amor é um sorriso
Sorriso que desfalece.
Madeixa que se desata
Denominam-no também.
O amor não é um bem:
Quem ama sempre padece.
O amor é um perfume
Perfume que se esvaece."


Mário de Sá-Carneiro

Meus versos lavro-os ao rubro

"Meus versos lavro-os ao rubro
nesta página de terra
que abro em lábios. Descubro-
-lhe a voz que no fundo encerra
Os versos que faço sou-os
A relha rasga-me a vida
e amarra os sonhos de voos
que eu tinha à terra ferida
Poema que mais que escrevo
devo-te em vida. No húmus
a regos simples eu levo
os meus desvairados rumos
Mas mais que poema meu
(que eu nunca soube palavra)
isto que dispo sou eu
Poeta não escrevas lavra"


Ruy Belo

És o meu príncipe ancestral

Meu sonho distante
Meu encanto sublimado
Minha espera constante
Meu projecto adiado
Meu sorriso perdido
Meu desejo guardado
Minha história, minha vida
Minha sina sinfonia
Meu anseio liberdade
Minha memória renascida
Minha loucura pegada
Minha promessa bendita
Meu alento verdadeiro
Bálsamo de corpo inteiro
Minha canção de embalar
Num sono profundo, divinal
De laços sedosos...
És o meu príncipe ancestral
Meu eterno amante
Minha ode triunfal.

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

ÚLTIMO SONETO

Que rosas fugitivas foste ali!
Requeriam-te os tapetes, e vieste...
- Se me dói hoje o bem que me fizeste,
É justo, porque muito te devi.

Em que seda de afagos me envolvi
Quando entraste, nas tardes que apareceste!
Como fui de percal quando me deste
Tua boca a beijar, que remordi...

Pensei que fosse meu o teu cansaço-
Que seria entre nós um longo abraço
O tédio que, tão esbelta, te curvava...

E fugiste... Que importa? Se deixaste
A lembrança violeta que animaste,
Onde a minha saudade a Cor se trava?...

(Mário de Sá-Carneiro) - Poesias
Edições Ática

terça-feira, 21 de outubro de 2008

CANTIGA PARTINDO-SE

Senhora, partem tam tristes
meus olhos por vós, meu bem,
que nunca tam tristes vistes
outros nenhuns por ninguém.

Tam tristes, tam saudosos,
tam doentes da partida,
tam cansados, tam chorosos,
da morte mais desejosos,
cem mil vezes que da vida.

Partem tam tristes os tristes
tam fora d' esperar bem,
que nunca tam tristes vistes
outros nenhuns por ninguém.

(João Roiz de Castelo Branco) in Cancioneiro Geral de Garcia de Resende

ETERNO



CARLOS DRUMOND DE ANDRADE

domingo, 19 de outubro de 2008

Amor suspenso

"Com felinos desejos pelas veias
em submerso templo de corais
amadurecem cantos de sereia
a seduzir marés intemporais.
Oh! As belas criaturas sibilinas
com quadris opulentos de procela
e os seios de arcadas florentinas
apontados às rotas da canela.
Oh! As lendárias mátrias da vertigem
híbridas cortesãs d'amor suspenso
na recusa metade das origens
onde o sonho acaba e eu me penso."


Alice Fergo, Versos de Água,
Universitária Poesia 38

PREMIÈREMENT

I

À haute voix
L'amour agile se leva
Avec de si brillants éclats
Que dans son grenier le cerveau
Eut peur de tout avouer.

À haute voix
Tous les corbeaux du sang couvrirent
La mémoire d'autres naissances
Puis renversés dans la lumière
L'avenir roué de baisers.

Injustice impossible un seul être est au monde
L'amour choisit l'amour sans changer de visage.

II

Ses yeux sont des tours de lumière
Sous le front de sa nudité.

À fleur de transparence
Les retours de pensées
Annulent les mots qui sont sourds.

Elle efface toutes les images
Elle éblouit l'amour et ses ombres rétives
Elle aime - elle aime à s'oublier.

III
Les représentants tout puissants du désir
Des yeux graves nouveau-nés
L'arc de tes seins tendu par un aveugle
Qui se souvient de tes mains
Ta faible chevelure
Est dans le fleuve ignorant de ta tête
Caresses au fil de la peau

Et ta bouche qui se tait
Peut prouver l'impossible.

V

Plus c'était un baiser
Moins les mains sur les yeux
Les halos de la lumière
Aux lèvres de l'horizon
Et des tourbillons de sang
Qui se livraient au silence.

VIII

Mon amour pour avoir figuré mes désirs
Mis tes lèvres au ciel de tes mots comme un astre
Tes baisers dans la nuit vivante
Et le sillage de tes bras autour de moi
Comme une flamme en signe de conquête
Mes rêves sont au monde
Clairs et perpétuels.

Et quand tu n'es pas là
Je rêve que je dors je rêve que je rêve.

XIV

Le sommeil a pris ton empreinte
Et la colore de tes yeux.

(Paul Eluard) - Capitale de la douleur Suivit de L'amour à la poésie
(Gallimard)

SUAS MÃOS

As mãos dessa franzina criatura
São feitas das camélias cetinosas;
Ressumbra na suavíssima textura
O azul das ténues veias caprichosas.

Levemente compridas, graciosas,
Escurecem das teclas a brancura,
E desprezam as lindas preguiçosas
Os finos arabescos da costura.

Os dedos são de jaspe modelado:
E as unhas...só podiam ser paletas
De um chinês imitar-lhes o rosado.

Se alguém as beija em curvas etiquetas,
Sente um aroma doce e delicado
Como o aroma subtil das violetas.

(Gonçalves Crespo) - Miniaturas

SÚPLICA

Para alguém, foi, do teu olhar a flama,
Como, após noite escura, a luz d'aurora.

Da «selva oscura» entre a sombria trama,
Ouve, mulher, como esse alguém t' implora.

Oh, baixa sobre mim o olhar fulgente!...

Que o teu olhar é bálsamo que inora,
Do céu sobre este seio, em que, latente,

Remorde, há muito, o cancro de um anseio,
De um desejo insensato e sede ardente

De um não sei quê, que em teu olhar eu leio.

(Ângelo de Lima) - Poesias Completas

sábado, 18 de outubro de 2008

"TU ÉS TERRA..."

Tu és a terra em que pouso.
Macia, suave, terna, e dura o quanto baste
a que teus braços como tuas pernas
tenham de amor a força que me abraça.

És também pedra qual a terra às vezes
contra que nas arestas me lacero e firo,
mas de musgo coberta refrescando
as próprias chagas de existir contigo.

E sombra de árvores, e flores e frutos,
rendidos a meu gosto e meu sabor.
E uma água cristalina e murmurante
que me segreda só de amor no mundo.

És a terra em que pouso. Não paisagem,
não Madre Terra nem raptada ninfa
de bosques e montanhas. Terra humana
em que me pouso inteiro e para sempre.

(Jorge de Sena) - Poesias - III

Os teus beijos

Ainda me queimam os lábios,
os teus beijos...
Desejos fogosos
de línguas intuitivas,
intrusivas intensivas,
insidiosas porque incompletas,
dispostas a extinguir-se
na alma nova que então nasceu,
na vontade que brilhou
dum amor que não se perdeu...
Paixão.
Anseio incandescente:
memória distante
de corações pulsando,
selvagens,
saindo das margens que o mundo teceu
insensível ao fado,
subjugando a magia
que o sonho engrandeceu,
um dia...

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Digo boca leio beijo

"Murmuro na raiz da tua pele
vestígios
de uma lua delirada
com veios de palavras
a cinzel
e quando escrevo noite
é madrugada.
Aqui neste lugar
onde sou espuma
num embrumado sonho
me desleixo.
Do teu rosto não sei
letra nenhuma
mas quando digo boca leio beijo"



Alice Fergo, Versos de Água
Universitária Poesia 38

Véspera de amor

"Todos os dias são vésperas
de um grande, grande amor.
O único. O raro. O irrecusável.
O histórico.
Aquele que nos atira de pantanas
para o Céu ou para o Inferno
mas nos absolve deste exílio
amassado na Terra-lama."


Alice Fergo, Versos de Água
Universitária Poesia 38

ESPECTÁCULO

Docemente chegou uma ideia triste;
eu deixei-me ficar, esperando que ela fosse
cantar mais longe o sempre mesmo canto...
Deixei-me ficar a olhar como indiferente
a agonia lenta duma alma não minha...

(Adolfo Casais Monteiro) - A Poesia da "Presença"

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

INIGUALÁVEL

Ai, como eu te queria toda de violetas
E flébil de cetim...
Teus dedos longos, de marfim,
Que os sombreassem jóias pretas...

E tão febril e delicada
Que não pudesses dar um passo -
Sonhando estrelas, transtornada,
Com estampas de cor no regaço...

Queria-te nua e friorenta,
Aconchegando-te em zibelinas -
Sonolenta,
Ruiva de éteres e morfinas...

Ah! que as tuas nostalgias fossem guizos de prata...
Teus frenesis, lantejoulas;
E os ócios em que estiolas,
Luar que se desbarata...

..........................................................................
..........................................................................

Teus beijos queria-os de tule,
Transparecendo carmim -
Os teus espasmos, de seda...

- Água fria e clara numa noite azul,
Água, devia ser o teu amor por mim...

(Mário de Sá-Carneiro) - Poesias

2

Eu ontem vi-te...
Andava a luz
Do teu olhar,
Que me seduz
A divagar
Em torno a mim.
E então pedi-te,
Não que me olhasses,
Mas que afastasses,
Um poucochinho,
Do meu caminho,
Um tal fulgor
De medo, amor,
Que me cegasse,
Me deslumbrasse,
Fulgor assim.

(Ângelo de Lima) - Poesias Completas

VARIAÇÕES

" Basta pensar em sentir
Para sentir em pensar"
(F. Pessoa)


Sempre te sinto ou penso ou sinto tão
sem te pensar sentir pensar ou sem
sentido ou não que só pensar-te vem
sentir-te ser pensando ser ou não

amor sentir pensar sentir só quão
te penso ou sinto ou penso ou quase nem
sentindo sei se o sei ou mal ou bem
pensei senti pensei sabendo em vão

pensar pensar pensar ou só sentir
a não ser sentir senão sentir pensar-
-te sempre sentir sentir sentir sentir

Já não pensar-te amor mas só pensar
sentir pensar sentir pensar sentir-
-te amor amor amor sentir pensar

(José Augusto Seabra) - Desmemória

SONETO 140 (1616)

Erros meus, má fortuna, amor ardente
Em minha perdição se conjuraram;
Os erros e a fortuna sobejaram,
Que pera mi(m) bastava o amor somente.

Tudo passei; mas tenho tão presente
A grande dor das cousas que passaram,
Que as magoadas iras me ensinaram
A não querer já nunca ser contente.

Errei todo o discurso de meus anos;
Dei causa (a) que a Fortuna castigasse
As minhas mal fundadas esperanças.

De amor não vi senão breves enganos.
Oh! quem tanto pudesse, que fartasse
Este meu duro Génio de vinganças!

(Camões) - Obra Completa

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

POEMA DE AMOR SEM PALAVRAS

POEMA DE AMOR SEM PALAVRAS
POEMA DE AMOR SEM PALAVRAS
POEMA DE AMOR
POEMA DE AMOR SEM PALAVRAS
POEMA DE AMOR SEM PALAVRAS
Amor sem palavras
POEMA
poema de amor sem palavras
Com amor
poema sem palavras
SEM PALAVRAS COM AMOR
Com amor
POEMA
POEMA DE AMOR
COM AMOR
Amor
Amor
AMOR
AMOR
POEMA
Poema de amor sem palavras
Amor
AMOR
Amor
POEMA DE AMOR
AMOR
amor
AMOR
AMOR
POEMA DE AMOR
AMOoooRRRRRRRRRRRRRRRRRRRRRRRR
POEMA DE AMOR SEM PALAVRAS

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

COR LAPIDEUM - COR CARNEUM

Quantos dias longe de ti andou meu coração
em configurações mais próximas de lábios
ó amor de sião nem eu o sei
Chorar era a minha forma de ser
verde salgueiro à beira destes dias
íntimos e trémulos. E ia-me das mãos
em águas que de rio tinham só
serem as lágrimas íntimas metáforas
com que me via longe ou simplesmente em ti
Não bastou adoptar meus gélidos conceitos
nem tecer de grinaldas velhas saudades tuas
nem conceder ao sol humilde do portal
a condição atmosférica dos raios

Até que tu vieste provisoriamente
encher da tua ausência um coração
que só a fome alimenta
Até que tu poisaste tão serenamente
como a tardia folha que tem
insaciável vocação de chão

(Ruy Belo) Todos os Poemas
(Assirio & Alvim Dez. 2000)

Esperança

"Lá bem no alto do décimo segundo andar do Ano
Vive uma louca chamada Esperança
E ela pensa que quando todas as sirenas
Todas as buzinas
Todos os reco-recos tocarem
Atira-se
E
— ó delicioso vôo!
Ela será encontrada miraculosamente incólume na calçada,
Outra vez criança...
E em torno dela indagará o povo:
— Como é teu nome, meninazinha de olhos verdes?
E ela lhes dirá
(É preciso dizer-lhes tudo de novo!)
Ela lhes dirá bem devagarinho, para que não esqueçam:
— O meu nome é ES-PE-RAN-ÇA..."


Mário Quintana Luso-Poemas - Poemas de amor, cartas e pensamentos

Ainda te Necessito

"Ainda não estou preparado para perder-te
Não estou preparado para que me deixes só.

Ainda não estou preparado pra crescer
e aceitar que é natural,
para reconhecer que tudo
tem um princípio e tem um final.

Ainda não estou preparado para não te ter
e apenas te recordar
Ainda não estou preparado para não poder te olhar
ou não poder te falar.

Não estou preparado para que não me abraces
e para não poder te abraçar.

Ainda te necessito.

E ainda não estou preparado para caminhar
por este mundo perguntando-me: Por quê?

Não estou preparado hoje nem nunca o estarei.

Ainda te Necessito."


(Pablo Neruda - Tradução Lustato Tenterrara)

O amor é o amor

"O amor é o amor - e depois?!
Vamos ficar os dois
a imaginar, a imaginar?..

O meu peito contra o teu peito,
cortando o mar, cortando o ar.
Num leito
há todo o espaço para amar!

Na nossa carne estamos
sem destino, sem medo, sem pudor,
e trocamos - somos um? somos dois? -
espírito e calor!
O amor é o amor - e depois?!"




Alexandre O´Neill
Poesias Completas
1951/1981
Biblioteca de Autores Portugueses
Imprensa Nacional Casa da Moeda

domingo, 12 de outubro de 2008

ADORAÇÃO

Vi o teu rosto lindo,
esse rosto sem par;
contemplei-o de longe, mudo e quedo,
como quem volta de áspero degredo
e vê ao ar subindo
o fumo do seu lar!
Vi esse olhar tocante,
de um fluido sem igual;
suave como lâmpada sagrada,
bem-vindo como a luz da madrugada
que rompe ao navegante
depois do temporal!
Vi esse corpo de ave,
que parece que vai
levado como o Sol ou como a lua,
sem encontrar beleza igual à sua,
majestoso e suave,
que surpreende e atrai!
Atrai, e não me atrevo
a contemplá-lo bem;
porque espalha o teu rosto uma luz santa,
uma luz que me prende e que me encanta
naquele santo enlevo
de um filho em sua mãe!
Tremo, apenas pressinto
a tua aparição;
e, se me aproximasse mais, bastava
pôr os olhos nos teus, ajoelhava!
Não é amor que eu sinto,
é uma adoração!
Que as asas providentes
do anjo tutelar
te abriguem sempre à sua sombra pura!
A mim basta-me só esta ventura
de ver que me consentes
olhar de longe... olhar!
(João de Deus) - Campo de Flores

O SONHO


Pelo Sonho é que vamos,
comovidos e mudos.
Chegamos? Não chegamos?
Haja ou não haja frutos,
Pelo Sonho é que vamos.

Basta a fé no que temos.
Basta a esperança naquilo
que talvez não teremos.
Basta que a alma dêmos,
com a mesma alegria,
ao que desconhecemos
e ao que é do dia-a-dia.

Chegamos? Não chegamos?

- Partimos. Vamos. Somos.

(Sebastião da Gama) - Pelo Sonho é que vamos

O BEIJO

Um beijo em lábios é que se demora
e tremem no de abrir-se a dentes línguas
tão penetrantes quanto línguas podem.
Mas beijo é mais. É boca aberta hiante
para de encher-se ao que se mova nela.
É dentes se apertando delicados.
É língua que na boca se agitando
irá de um corpo inteiro descobrir o gosto
e sobretudo o que se oculta em sombras
e nos recantos em cabelos vive.
É beijo tudo o que de lábios seja
quanto de lábios lábios se deseja.

(Jorge de Sena - 19 Maio 71) Poesia-III
Moraes Editores

RECORDO-TE COMO ERAS...

Recordo-te como eras no outono passado.
Eras a boina cinzenta e o coração em calma.
Nos teus olhos lutavam as chamas do crepúsculo.
E as folhas caíam na água da tua alma.

Fincada nos meus braços como uma trepadeira,
as folhas recolhiam a tua voz lenta e em calma.
Fogueira de estupor onde a minha sede ardia.
Doce jacinto azul torcido sobre a minha alma.

Sinto viajar os teus olhos e é distante o outono:
boina cinzenta, voz de pássaro e coração de casa
para onde emigravam meus profundos desejos
e caíam os meus beijos alegres como brasas.

Céu visto de um navio. Campo visto dos montes:
a lembrança é de luz, de fumo, de lago em calma!

Para lá dos teus olhos ardiam os crepúsculos.
Folhas secas de outono giravam na tua alma.

(Pablo Neruda) Vinte Poemas de Amor e Uma Canção Desesperada

(Tradução Fernando Assis Pacheco)

AS PALAVRAS

São como um cristal,
as palavras.
Algumas um punhal,
um incêndio.
Outras,
orvalho apenas.

Secretas vêm, cheias de memória.
Inseguras navegam:
barcos ou beijos,
as águas estremecem.

Desamparadas, inocentes,
leves.
Tecidas são de luz
e são a noite.
E mesmo pálidas
verdes paraísos lembram ainda.

Quem as escuta? Quem
as recolhe, assim,
cruéis, desfeitas,
nas suas conchas puras?

(Eugénio de Andrade) Poemas

terça-feira, 7 de outubro de 2008

E TUDO ERA POSSÍVEL

"Na minha juventude antes de ter saído
da casa de meus pais disposto a viajar
eu conhecia já o rebentar do mar
das páginas dos livros que já tinha lido

Chegava o mês de maio era tudo florido
o rolo das manhãs punha-se a circular
e era só ouvir o sonhador falar
da vida como se ela houvesse acontecido

E tudo se passava numa outra vida
e havia para as coisas sempre uma saída
Quando foi isso? Eu próprio não o sei dizer

Só sei que tinha o poder duma criança
entre as coisas e mim havia vizinhança
e tudo era possível era só querer"



Ruy Belo, Homem de Palavra[s]
Lisboa, Editorial Presença, 1999 (5ª ed.)

Pudesse Eu

"Pudesse eu não ter laços nem limites
Ó vida de mil faces transbordantes
Para poder responder aos teus convites
Suspensos na surpresa dos instantes!"


Sophia de Mello Breyner Andreson
Poesia, Antologia
Moraes Editores, 1970

IV - Eu sou a concha das praias

"Eu sou a concha das praias
Que anda batida da onda
E, de vaga em outra vaga,
Não tem aonde se esconda.
Mas se um menino, da areia
A colher e a for guardar
No seio... ali adormece
E é ali seu descansar.
Pois sou a concha da praia
Que anda batida da onda...
Sê tu esse seio infante,
Aonde a triste se esconda!

Eu sou quem vaga perdido,
Sob o sol, com passo incerto,
Contando por suas dores
As areias do deserto.
Mas se um palmar, no horizonte,
Se vê, súbito, surgir,
Tem ali a tenda e a fonte
E é ali o seu dormir.
Pois sou quem vaga perdido,
Sob o sol, com passo incerto...
Sê tu sombra de palmeira,
Sê-me tenda no deserto!

Sou o peito sequioso
E o viúvo coração,
Que em vão chama, em vão procura
Outro peito, seu irmão.
Mas se avista, um dia, a alma
Por quem andou a chamar,
Tem ali ninho e ventura
E é ali o seu amar.
Pois sou quem anda chorando
À procura dum irmão...
Sê tu a alma que me fale,
Inda uma hora ao coração!"


Antero de Quental, Primaveras Românticas

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Bem-me-quer



Pegas-me na mão
Como quem colhe uma flor,
Doce bem-me-quer...

Craig Tuttle (Jacky 07.04.2006) - Retirado de http://amorizade.wordpress.com/

sábado, 4 de outubro de 2008

Adieu Monsieur Le Professeur



Hugues Aufray

Les enfants font une farandole
Et le vieux maître est tout ému :
Demain, il va quitter sa chère école.
Sur cette estrade, il ne montera plus.
Refrain
Adieu, monsieur le professeur.
On ne vous oubliera jamais
Et tout au fond de notre coeur,
Ces mots sont écrits à la craie.
Nous vous offrons ces quelques fleurs
Pour dire combien on vous aimait.
On ne vous oubliera jamais.
Adieu, monsieur le professeur.

Une larme est tombée sur sa main.
Seul, dans la classe, il s'est assis.
Il en a vu défiler, des gamins
Qu'il a aimés tout au long de sa vie.

Refrain

De beaux prix sont remis aux élèves.
Tous les discours sont terminés.
Sous le préau, l'assistance se lève.
Une dernière fois les enfants vont chanter:

Refrain

Star Academy 4

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

REFLEXÕES 1

por que é que não falas
com as estrelas
e lhes contas os teus segredos?

por que é que não falas
com as flores e
e lhes falas dos teus amores?

por que é que não dizes ao vento
o nome que tens nos lábios?

eu interroguei as estrelas
as flores
o vento

eu conheço aquela estrela além
é minha confidente

eu desenho para ti uma flor
muitas flores
depois colho-as do meu coração
e se tu deixares planto-as
dentro de ti

SEXTINA 1 (1-1)

Foge-me pouco a pouco a curta vida,
Se por acaso é verdade que inda vivo;
Vai-se-me o breve tempo de ante os olhos;
Choro pelo passado; e, enquanto falo,
Se me passam os dias passo e passo.
Vai-se-me, enfim, a idade, e fica a pena.

Que maneira tão áspera de pena!
Que nunca ~ua hora viu tão longa vida
Em que possa do mal mover-se um passo.
Que mais me me monta ser morto que vivo?
Pera que choro? Enfim, pera que falo,
Se lograr-me não pude de meus olhos?
Ó fermosos, gentis e claros olhos,
Cuja ausência me move a tanta pena
Quanta se não compreende enquanto falo!

Se, no fim de tão longa e curta vida,
De vós me inda inflamasse o raio vivo,
Por bem teria tudo quanto passo.
Mas bem sei que primeiro o extremo passo
Me há-de vir a cerrar os tristes olhos,
Que Amor me mostre aqueles por que vivo.
Testemunhas serão a tinta e pena,
Que escreverão de tão molesta vida
O menos que passei, e o mais que falo.
Oh! que não sei que escrevo, nem que falo!

Que, se de um pensamento noutro passo,
Vejo tão triste género de vida
Que se lhe não valerem tanto os olhos,
Não posso imaginar qual seja a pena
Que traslade esta pena com que vivo.

Na alma tenho contin(u)o um fogo vivo,
Que, se não respirasse no que falo,
Estaria já feita cinza a pena;
Mas, sobre a maior dor que sofro e passo
Me temperam as lágrimas dos olhos;
Com que, fugindo, não se acaba a vida.
Morrendo estou na vida, e em morte vivo;
Vejo sem olhos, e sem língua falo;
E juntamente passo glória e pena.

Luís de Camões - Obra Completa

terça-feira, 30 de setembro de 2008

Alvoroço...

Em alvoroço estou.
Minh'alma esgrima desejos
que irrompem lestos,
mostrando não terem socumbido,
nem ao tempo,
nem aos inúmeros contratempos
que a vida, madrasta, me lançou.
Quisera, em inóspita paragem,
desenfrear as rédeas
sem sobressaltos,
demonstrar este sentir ardente,
de quem, presumo, valente,
jamais deixou de te amar,
apesar do que por ti penou...

OS CINCO SENTIDOS

Em toda a natureza
Não vejo outra beleza
Senão a ti - a ti
Não oiço a melodia
Nem sinto outra harmonia
Senão a ti
Minha alma não aspira
Senão ao doce aroma
Que vem de ti - de ti
Fanintos meus desejos
Estão... mas é de beijos
E só de ti - de ti
Quem poderia
Sentir outras carícias
Tocar outras delícias
Senão em ti - em ti
A ti! ai, a ti só meus sentidos,
Todos num confundidos
Sentem, ouvem, respiram,
Em ti, por ti deliram.
Em ti a minha sorte
E, quando venha a morte,
Será morrer por ti.
(Almeida Garrett)

MOMENTO DE NOSTALGIA

O ritmo do teu corpo
Fala-me
Segreda.me palavras doces
Primeiro lento
Natural
Depois rápido
Sôfrego
Musical

E o teu ar sereno
Torna-me feliz por te poder olhar

O teu corpo canta-me
Canções de amor dolentes
E o teu coração abre-se
Como uma flor
E reparte-se
E transforma o Mundo

E o teu ar sereno e meigo
Torna-me feliz por te poder amar

Tu és um hino à Natureza
O doce brilho das estrelas

E o teu sorriso
É só o teu sorriso
Mais tudo

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

ABELHA BRANCA ZUMBES...

Abelha branca zumbes, ébria de mel, na minha alma
e enrolas-te em lentas espirais de fumo.

Eu sou o desesperado, a palavra sem ecos,
aquele que perdeu tudo, e teve um dia tudo.

Última amarra, range em ti a minha ansiedade última.
na minha terra deserta és a última rosa.


Ah silenciosa!

Fecha os teus olhos profundos. Ali esvoaça a noite.

Ah desnuda o teu corpo de estátua temerosa.

Tens uns olhos profundos onde a noite adeja.
Frescos braços de flor e regaço de rosa.

Parecem-se os teus seios com caracóis brancos.
Veio dormir no teu ventre uma borboleta sombra.

Ah silenciosa!

É esta a solidão de que tu estás ausente.
Chove. O vento do mar caça errantes gaivotas.

A água anda descalça pelas ruas molhadas.
Daquela árvore se queixam, como doentes, as folhas.
Abelha branca, ausente, ainda zumbes na minha alma.

Tu revives no tempo, fina e silenciosa.

Ah silenciosa!

Pablo Neruda - Vinte Poemas de Amor e Uma Canção Desesperada

Minha Estrela da Tarde



Carlos do carmo

SONETO DE CONTRIÇÃO

Eu te amo, Maria, eu te amo tanto
Que o meu peito me dói como em doença
E quanto mais me seja a dor intensa
Mais cresce na minha alma teu encanto.

Como criança que vagueia o canto
Ante o mistério da amplidão suspensa
Meu coração é um vago de acalanto
Berçando versos de saudade imensa.

Não é maior o coração que a alma
Nem melhor a presença que a saudade
Só te amar é divino, e sentir calma...

E é uma calma tão feita de humildade
Que tão mais te soubesse pertencida
Menos seria eterno em tua vida.

Vinicius de Moraes - Obras Completas

sábado, 27 de setembro de 2008

Teus olhos

"Olhos do meu Amor! Infantes loiros
Que trazem os meus presos, endoidados!
Neles deixei, um dia, os meus tesoiros:
Meus anéis, minhas rendas, meus brocados.

Neles ficaram meus palácios moiros,
Meus carros de combate, destroçados,
Os meus diamantes, todos os meus oiros
Que trouxe d'Além-Mundos ignorados!

Olhos do meu Amor! Fontes... cisternas...
Enigmáticas campas medievais...
Jardins de Espanha... catedrais eternas...

Berço vindo do Céu à minha porta...
Ó meu leito de núpcias irreais!...
Meu sumptuoso túmulo de morta!..."


Florbela Espanca

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Todo o Tempo do Mundo



Rui Veloso

Dar tempo ao tempo...

Dar tempo ao tempo, mostra que o que nos sucede nem sempre tem a "conotação" que lhe atribuímos. É importante saber que a relatividade do tempo nos permite pensar desligados dos acontecimentos e admitir que a vida segue o seu percurso, num passo adequado ao nosso próprio crescimento.Os acontecimentos no tempo mais não são do que fragmentos de vida. Esta, vai-se-nos dando por fragmentos que se encaixam no presente... Quem sabe o que acontecerá daqui a pouco? Temos por obrigação, agora mais crescidos, de saber que quando se fecha uma porta, uma outra se abre ou, quando um caminho acaba, um outro começa trazendo oportunidades impensáveis, indefinidas e infinitas...
Temos de dar tempo ao tempo na busca de um equilíbrio maior...
Dar tempo ao tempo é a minha aposta, a minha convicção. É minha determinação, minha expectativa... É meu assombro e meu perdão...

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Nunca Nos Separamos do Primeiro Amor

"(...) o que conta não é a manifestação do desejo, da tentativa amorosa. O que conta é o inferno da história única. Nada a substitui, nem uma segunda história. Nem a mentira. Nada. Quanto mais a provocamos, mais ela foge. Amar é amar alguém. Não há um múltiplo da vida que possa ser vivido. Todas as primeiras histórias de amor se quebram e depois é essa história que transportamos para as outras histórias. Quando se viveu um amor com alguém, fica-se marcado para sempre e depois transporta-se essa história de pessoa a pessoa. Nunca nos separamos dele.
Não podemos evitar a unicidade, a fidelidade, como se fôssemos, só nós, o nosso próprio cosmo. Amar toda a gente, como proclamam algumas pessoas e os cristãos, é embuste. Essas coisas não passam de mentiras. Só se ama uma pessoa de cada vez. Nunca duas ao mesmo tempo."


Marguerite Duras, in 'Mundo Exterior '

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

CONCERTO PARA TI

"Hoje dir-te ei apenas
Mais uma palavra gasta
pelo tempo: Amo-te

E poderia dizer-te tanto!
Poderia falar desta sede
Com que mergulho a boca
Na tua pele diluída
Desta dor violenta, seca
Que me incha as veias
De pequenas lâminas de febre
Poderia dizer
Como as minhas mãos
Procuram a fúria das tuas
Deslizam pelo teu corpo
Como o sangue alvoraçado
Acompanha o ritmo dos teus dedos

Poderia dizer-te tudo
Mas não digo
Dir-te-ei apenas
Que és tu quem enche o silêncio
De que é feito
Cada segundo de mim"


ROUXINOL

ESTE INFERNO DE AMAR

"Este inferno de amar - como eu amo! -
Quem mo pôs aqui n'alma...quem foi?
Esta chama que alenta e consome,
Que é a vida - e que a vida destrói -
Como é que se veio a atear,
Quando - ai quando se há-de ela apagar?

Eu não sei, não me lembra: o passado,
A outra vida que dantes vivi
Era um sonho talvez... - foi um sonho -
Em que paz tão serena a dormi!
Oh! que doce era aquele sonhar...
Quem me veio, ai de mim!, despertar?

Só me lembra que um dia formoso
Eu passei...dava o Sol tanta luz!
E os meus olhos, que vagos giravam,
Em seus olhos ardentes os pus.
Que fez ela? eu que fiz? - Não no sei;
Mas nessa hora a viver comecei..."


"Folhas Caídas" - (Almeida Garrett)

Melodia de África

Quitanda de fruta verde,

dá-me um gomo de laranja

para matar esta sede.


Ou então será melhor

dar-me um veneno qualquer,

porque eu ando perturbado

e o meu sonho anda queimado

por uns olhos de mulher

.......................................

-Minha senhora, laranja

limão fresquinho, caju,

ananás ou abacate!

.......................................

E a quitandeira passou,

saudável, viva, graciosa,

com uma flor desfolhada

no seu sorriso escarlate.


E no ar um som de música ficou

e um perfume de fruta

que não matou minha sede...

Ó agridoce quitanda

da fruta verde


Quissanje (Tomaz V da Cruz)

sábado, 20 de setembro de 2008

Lê! Deleita o teu coração



Pensamentos 2 - Vangelis - Blade Runner Love Theme

O amor é o amor

"O amor é o amor - e depois?!
Vamos ficar os dois
a imaginar, a imaginar?..

O meu peito contra o teu peito,
cortando o mar, cortando o ar.
Num leito
há todo o espaço para amar!

Na nossa carne estamos
sem destino, sem medo, sem pudor,
e trocamos - somos um? somos dois? -
espírito e calor!
O amor é o amor - e depois?!"


Alexandre O´Neill Poesias Completas
1951/1981
Biblioteca de Autores Portugueses
Imprensa Nacional Casa da Moeda

Mi Confesion



Gotan Project

Vuelvo al Sur




The Gotan Project

Voltar atrás, ao antes, não é possível...
É o presente, o agora, que deve ser encarado.
E, esse tem as suas condicionantes,
os seus quês que não admitem nem porquês,
nem desejos contidos, amores sublimados,
emoçoes banidas do universo real
em que ambos nos encontramos.
Mesmo que a solidão interior seja um túmulo,
que o tumulto do coração seja brutal,
e o alarido do desejo, do amor, ensurdecedor,
teremos que zelar por nós próprios...

Violet

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

De mãos dadas...

Sonhei um dia ser tua,
Mas os ses não deixaram,
e os sentimentos mudaram,
não só porque o tempo passou
mas também porque a vida andou...

Ganhei outra dimensão,
casamento e atenção,
filhos tesouros, redenção
esquecendo a impressão,
então causada no coração
por ti, minha tão doce ilusão.

Hoje, reencontrando-nos,
quero apenas compreender,
para não mais padecer,
pelas voltas que então houve,
nos desacertos em que coube.
E, das então reais intenções,
tirando daí algumas lições,
para o resto da caminhada,
que havemos de fazer,
se possível de mão dada...

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

Teus olhos

"Olhos do meu Amor! Infantes loiros
Que trazem os meus presos, endoidados!
Neles deixei, um dia, os meus tesoiros:
Meus anéis, minhas rendas, meus brocados.

Neles ficaram meus palácios moiros,
Meus carros de combate, destroçados,
Os meus diamantes, todos os meus oiros
Que trouxe d'Além-Mundos ignorados!

Olhos do meu Amor! Fontes... cisternas...
Enigmáticas campas medievais...
Jardins de Espanha... catedrais eternas...

Berço vindo do Céu à minha porta...
Ó meu leito de núpcias irreais!...
Meu sumptuoso túmulo de morta!..."


Florbela Espanca

(Re) Encontrei-te

(Re)Encontrei-te, por acaso,
meus castanhos olhos,
de encantos mil,
de sonhos profundos
e memória pueril.
Foi impulso abrasador,
saudades d'um louco amor
mal vedado,
assustador de surpresas,
encantador.
Desejos guardados,
nos teus, meus olhos cansados
de solidão e nostalgia...
É a vida em agonia?...