Foge-me pouco a pouco a curta vida,
Se por acaso é verdade que inda vivo;
Vai-se-me o breve tempo de ante os olhos;
Choro pelo passado; e, enquanto falo,
Se me passam os dias passo e passo.
Vai-se-me, enfim, a idade, e fica a pena.
Que maneira tão áspera de pena!
Que nunca ~ua hora viu tão longa vida
Em que possa do mal mover-se um passo.
Que mais me me monta ser morto que vivo?
Pera que choro? Enfim, pera que falo,
Se lograr-me não pude de meus olhos?
Ó fermosos, gentis e claros olhos,
Cuja ausência me move a tanta pena
Quanta se não compreende enquanto falo!
Se, no fim de tão longa e curta vida,
De vós me inda inflamasse o raio vivo,
Por bem teria tudo quanto passo.
Mas bem sei que primeiro o extremo passo
Me há-de vir a cerrar os tristes olhos,
Que Amor me mostre aqueles por que vivo.
Testemunhas serão a tinta e pena,
Que escreverão de tão molesta vida
O menos que passei, e o mais que falo.
Oh! que não sei que escrevo, nem que falo!
Que, se de um pensamento noutro passo,
Vejo tão triste género de vida
Que se lhe não valerem tanto os olhos,
Não posso imaginar qual seja a pena
Que traslade esta pena com que vivo.
Na alma tenho contin(u)o um fogo vivo,
Que, se não respirasse no que falo,
Estaria já feita cinza a pena;
Mas, sobre a maior dor que sofro e passo
Me temperam as lágrimas dos olhos;
Com que, fugindo, não se acaba a vida.
Morrendo estou na vida, e em morte vivo;
Vejo sem olhos, e sem língua falo;
E juntamente passo glória e pena.
Luís de Camões - Obra Completa